Abandono corrói casas onde Aleijadinho viveu

No ano em que se lembram os dois séculos sem o mestre do barroco, casas em que ele viveu enquanto tocava obras estão relegadas ao esquecimento ou simplesmente desapareceram

cuperada há seis anos, a Casa do Aleijadinho de Sabará volta a exibir marcas do tempo. Desta vez, prefeitura informa não ter verba
O Brasil rende amanhã todas as homenagens a Antonio Francisco Lisboa, o Alejadinho (1737-1814), patrono das artes no país e reverenciado por especialistas em arte colonial e visitantes de todo o mundo pela beleza da obra em madeira e pedra-sabão. No bicentenário da morte do escultor, entalhador, arquiteto, marceneiro e perito, ganham ainda mais destaque trabalhos que o consagraram, como as esculturas que compõem os Passos da Paixão de Cristo e os 12 profetas do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, além dos altares da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, e da imagem de Santana Mestra, exposta no Museu do Ouro, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Sabará. Dono de uma oficina itinerante para atuar nas frentes de trabalho em diferentes cidades, Aleijadinho morou em casas que guardam parte da sua história mas que, hoje, são um triste retrato da degradação – ou simplesmente sumiram do mapa. 
Um dos exemplos do descaso com a memória do gênio do barroco e com parte da história da arte no país fica no número 153 da Rua do Carmo, no Centro Histórico de Sabará, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na segunda metade do século 18, o imóvel foi ocupado por Aleijadinho, que na época trabalhava na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, contratado pela Venerável Ordem Terceira do Carmo de Sabará. Para o templo, ele fez a fachada em pedra-sabão, dois atlantes – figuras que parecem sustentar o coro – e as imagens de São Simão Stock e São João da Cruz. 


Em contraste com a imponência do trabalho, porém, a modesta casa em nada remete ao seu morador mais ilustre. Quem entra nela jamais a ligaria ao nome do artista, pois toda a estrutura exala deterioração: há goteiras por todos os cantos ou sinal delas, o madeiramento do piso está quebrado, as paredes estão estouradas e o cheiro de mofo domina o ambiente. Residente no endereço há 54 anos, Maria das Dores Alves Borges da Silva, de 76, sabe da importância do endereço – até porque ele atrai uma romaria de mineiros, brasileiros e estrangeiros –, mas pouco pode fazer por sua preservação. 

Madeiramento podre e goteiras são ameaça
 no imóvel da Grande BH
Com dificuldades para andar, Maria das Dores, conhecida como dona Lica, recebe a ajuda da nora Ruth Preciosa Gomes e fala sobre o dia a dia no imóvel de inquilino famoso. Atenciosa, nem se incomoda com o constante “bater de palmas” na calçada. “Chega muito turista aqui na porta, pessoas de vários estados e países. Pedem para entrar e fico impressionada: alguns ficam passando as mãos pelas paredes, outros até choram”, conta. Com seu jeito bem mineiro, ela convida as novas visitas a entrar e logo vai mostrando o piso de madeira quebrado, um risco permanente à segurança de quem anda por lá. “Fico com medo de cair e me machucar”, queixa-se.


A Casa do Aleijadinho, como é conhecida em Sabará, é pequena, mas representa um patrimônio valioso da cidade. Em 2008, o Estado de Minas mostrou a então recente restauração do bem, feita com recursos da prefeitura, já que lei municipal autoriza a conservação de propriedades privadas de relevância no Centro Histórico. Naquele ano, dona Lica comentou, depois de ver o telhado consertado, paredes pintadas e o ar de cuidado: “Agora, está bem bonita. Eu não teria condições de custear uma obra assim”.



Passados seis anos, a moradora reitera que não tem condição de arcar com os custos de uma nova reforma, pois ganha salário mínimo e o dinheiro mal dá para as modestas despesas domésticas. Desde a restauração, na porta da casa há uma placa indicando que se trata do local onde viveu o patrono das artes brasileiras, mas agora a prefeitura informa que não tem verba para recuperar novamente a moradia.



OUTRAS TERRAS
Aleijadinho nasceu em Ouro Preto, filho do mestre-arquiteto português Manuel Francisco Lisboa e da sua escrava Isabel. Na antiga Vila Rica, morou na Rua da Conceição, atrás da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no Bairro Antônio Dias. A casa mantém a fachada colonial, mas sofreu descaracterização interna e hoje abriga uma loja. 



Pior destino teve o sobrado onde Aleijadinho viveu, durante oito anos, em Congonhas, na Região Central, do qual não restaram nem ruínas. Na Cidade dos Profetas, há duas versões para contar a história da moradia do mestre, diz o escultor e pesquisador da história local Luciomar Sebastião de Jesus. O endereço mais plausível seria o imóvel que existiu na antiga Rua da Fontinha, atual Major Sabino, onde hoje está o salão de missas e confissões da paróquia. A segunda versão se refere a um casarão antigo, atrás de onde está a Capela da Santa Ceia. “Acho que a primeira é a mais correta”, acredita o escultor.



Luciomar conta que Aleijadinho morou também em Rio Espera, antigo Arraial da Espera, na Zona da Mata. “Ali existia uma verdadeira floresta de cedro, madeira com a qual ele esculpiu imagens e altares”, conta o artista. “Durante o trabalho na Igreja de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, Antonio Francisco Lisboa assinou recibos escrevendo como endereço o Arraial da Espera”, destaca. Entre as peças esculpidas no município, mais especificamente para a Matriz de Nossa Senhora da Piedade, está a imagem do Cristo da Paciência, que estava em poder de um colecionador e hoje se encontra no centro de uma batalha judicial.

Repouso sob altar 


Em restauração, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, guarda a última morada de Antonio Francisco Lisboa. Falecido em 1814, o gênio repousa sob o altar de Nossa Senhora da Boa Morte. Na cidade em que o artista deu seus primeiros passos, quem deseja conhecer detalhes sobre seu trabalho deve visitar ainda monumentos como a Igreja de São Francisco de Assis, escolhida uma das sete maravilhas de origem portuguesa no mundo. 



HISTÓRIA EM SEIS PONTOS



» Residência

Aleijadinho nasceu em Ouro Preto e residiu em Congonhas, Sabará e Rio Espera



» Trabalho

O mestre do barroco não atuava sozinho. Como era comum nos tempos coloniais, tinha um grupo de trabalho com cerca 

de 20 pessoas



» Oficina

O artista não mantinha uma oficina “física” em Ouro Preto. O grupo tinha caráter itinerante e se hospedava em casas paroquiais e moradias próximas às igrejas



» Assinatura

As peças esculpidas nos tempos coloniais não tinham assinatura. O nome do autor só passou a ser gravado em esculturas depois da instituição do ensino artístico. Por isso, para autenticação de peças atribuídas a Aleijadinho é fundamental o trabalho de peritos que conhecem traços caraterísticos do artista



» Autoria

Os 12 profetas e as 64 esculturas das capelas recriando a via-crúcis de Congonhas, bem como as imagens da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, de Sabará, têm prova documental (recibo ou lançamento no livro de receitas e despesas das irmandades). Muitas outras obras são atribuições, com avaliação de estilo e outros aspectos técnicos



» Descendência

Em 1777, no Rio de Janeiro, Antonio Francisco Lisboa reconheceu, na Justiça, a paternidade do filho, chamado Manuel Francisco Lisboa, como o avô. Atualmente, não há notícias sobre descendentes de Aleijadinho.

Fonte: Jornal Uai.

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